Canaleta/Sapato

Ainda outro dia, não faz muito tempo, entrei em uma loja para ver os preços e possivelmente, comprar um sapato para mim. Após alguma escolha me deparei com um tipo que parecia o modelo canaleta que o CNF nos dava como parte do uniforme naquela época. Era marrom, com cadarço, tinha uma tira ou costura na parte superior do pé... em fim: uma forma muito parecida com o nosso canaleta. Não consegui comprá-lo, embora o quisesse, pois me lembrei das enormes restrições que fazíamos ao sapato padrão CNF. Lembrei-me, também, de algumas situações que fui envolvido, justamente, com o sapato ou o canaleta. Logo que cheguei ao CNF fui encaminhado à rouparia onde conheci algumas simpáticas pessoas dentre elas a D. Alice. mãe do Darlan que hoje é um médico que está estabelecido no Rio e tem ido aos encontros de setembro em Friburgo. Sim, D. Alice, dirigindo-se a mim disse que eu teria calças, cuecas, meias, camisa olímpica(era assim que chamávamos para a T-shirt de hoje), casaco azul, etc.; que tudo levaria meu número e que os sapatos eu deveria pegá-los no almoxarifado. Alguns colegas, já me haviam me chamado atenção pela "qualidade" do canaleta, mas, assim mesmo, peguei os meus e os trouxe para o dormitório. No meu primeiro quarto no ginásio, em 1958. estavam: Epaminondas Gracindo. Marco Antônio e o Felix (que diziam ser neto do Getúlio Vargas). Destes somente tenho notícias do Epaminondas (Gracindo Jr., por suas atividades na TV). Todos condenavam o canaleta não havia ninguém que fizesse um ligeiro elogio ao sapato. Aquilo me intrigava, como até hoje, não consigo comprar nada que seja parecido ao canaleta. Tenho receio que algum ex-colega me veja e espalhe para o restante do pessoal que eu estava usando um canaleta; tenho medo de virar pele!. O Epaminondas, que era um carioca autêntico, usava roupas muito modernas.. principalmente para os meus olhos, que havia saído do Marajó diretamente para Friburgo com, apenas, ligeira passagem na capital da república, no seu mocassim levava uma moedinha, acho que era um Dimo US$0,10,0 e dizia que aquilo que era a bossa. Lembro que o Paulo Perobo (Perobo no Ceara é bicha e o Paulinho não é cearense), usava o mesmo adereço só que seu sapato era da Moreira uma sapataria famosa no Rio nos anos 50/60). Havia outros que usavam um tipo de sapato conhecido como índio-moc, que é muito parecido com o que hoje chamamos de top sider que, inclusive, calçava-se sem meias, o que era um escândalo na época. Lembro de uma vez que cheguei em Belém sem meias e, meu pai, ainda no aeroporto, me recriminou por tamanho desrespeito às pessoas, disse-me: onde já se viu usar sapato sem meias!. De fato, o canaleta não estava com nada, ele fora condenado a não ser usado sob qualquer hipótese. Mas o que eu nunca entendi é como esse sapato ganhou o apelido de canaleta. Eu sempre olhei para aquela canaleta que corta o campus, que vem desde a granja, e para o próprio, e nunca enxerguei qualquer relação entre as duas coisas. Lembro que quando de um desfile de sete de setembro, não de agora, mas um daquela época, o Talvane, na banda, decidiu democraticamente que todos iriam desfilar com o canaleta, houve protestos veementes. Havia uma predisposição contrária sempre ao canaleta, ninguém o aceitava .Mais recente, num dos encontros estávamos Paulista e eu conversando quando avistamos o Pau de Arara. Aliás, o Walter de Assis Baptista, que tinha o maior apelido do Brasil: Pau de Arara; Filho da Puta. Essa estória foi assim: Walter tinha chegado de Sergipe, sua terra, com uma cara de retirante da seca e logo veio a idéia de chamá-lo de Pau de Arara ao que ele respondia, raivoso e xingando: filho da puta. Aí ficou., pegou! Com o tempo, passou só para Pau de Arara, depois para Pau e alguns lhe chamavam de Pauzinho. Walter, foi impressionando por uma inteligência fulgurante; tornou-se uma das pessoas queridas de nós todos. Paulista fez um comentário comigo que se lembrava do Pau de Arara usando, justo, o canaleta só que ele estilizava o sapato. Ele o pintava de guache (lembro que recebíamos, como material de ensino guache e nanquim, que nem sei se isso existe hoje em dia) com um design muito avançado. Paulista comentava que o canaleta do Pau de Arara virava um fórmula 1, era muito bem pintado e recortado, parecia um bólido com traços e linhas avançadas e modernas e, naqueles tempos, não haviam as corridas de Fórmula 1, ele tinha inspiração pura na concepção do seu canaleta/fórmula 1. Aliás, esta foi a única forma que vi como o nosso canaleta teve alguma aceitação.

Ass : AFONSO BRITO CHERMONT

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