RECAUCHUTAGEM

No final do ano letivo de um determinado ano a turma , que ia se formar em breve, defrontou-se com um problema sério a ser resolvido com criatividade e humor, como sempre.

A turma estava com a formatura marcada e havia a grande possibilidade de estarmos desfalcados de alguns colegas na festa, por conta da prova final de Física que, ao que tudo indicava, seria muito difícil. Tínhamos colegas precisando de notas muito altas e um professor já andava desconfiado que uma ou outra prova anterior havia sido previamente subtraída da mecanografia. Por outras turmas, é claro !

Na madrugada da véspera da prova, nosso homem-aranha, que me permito não identificar, passando por fora das janelas, adentrou a sala da mecanografia, cuja janela havia sido, numa manobra executada com perfeição, deixada aberta por algum aluno que por lá passou, no meio da tarde, com alguma desculpa esfarrapada.

Surpresa !

Ou provas não foram mimeografadas ali ou as mesmas forma trabalhadas dias antes pelo professor e levando-as para casa, quebrando uma tradição antiga.

É claro que a turma, contando com o conhecimento prévio das questões, estudou menos do que o normal e, na hora da distribuição das provas, foi aquele terror. Teve gente que devolveu a prova em branco, no fim do tempo. Mesmo os alunos que estavam em boa situação ficaram preocupados com o resultado.

Fomos para o almoço e passamos o dia muito apreensivos até que, à noite, alguém (provavelmente um grupo de discussão) teve a brilhante idéia de sutrair as provas entregues, refazê-las nos quartos (já tínhamos os papéis coloridos das folhas de resposta estocados há muito, para as eventualidades), com a ajuda de quem pudesse colaborar. Para nossa sorte, as provas foram guardadas para correção na própria mecanografia, que foi novamente visitada e a primeira parte da missão cumprida. Passamos parte da noite resolvendo as questões e até alguns ex-alunos , deram a sua valiosa contribuição. Segunda etapa resolvida.

Passamos à terceira etapa, ainda na madrugada. No quarto de alguém, que não me lembro, foi constituído um comitê que decidiu, sem direito a reclamação, que nota cada aluno ia tirar, de preferência muito próxima da nota necessária, para evitar interpretações errôneas por parte do professor. Assim decidido, assim foi feito, com base no gabarito que nós preparamos. Cada aluno preencheu as folhas do jeito que bem entendeu, para dar a impressão de prova realmente feita (rascunhos, rabiscos, anotações, desenhos, etc.), porém, respeitando a pontuação decidida democraticamente.

A última etapa foi a devolução das provas ao local de origem, como se nada tivesse acontecido.

Não sei se o professor descobriu, mas que ficou desconfiadíssimo, ficou.

Ao final foram todos aprovados, alguns "raspando", naturalmente, e a festa foi um barato.

Não sei, também, se o processo foi inovador ou se já tinha sido usado anteriormente, mas isso não importa. Ficou conhecido, na época, como RECAUCHUTAGEM.

O mais interessante é que esses recursos só eram usados em situações extremas, como essas, ou em casos isolados, resolvidos pelos próprios interessados. No nosso caso, foi um trabalho coletivo de toda a turma, com o respaldo da finalidade, certamente não muito nobre.

Aloysio Iaggi Martins

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