FLASH BACK


Em dezembro, preparativos finais. Aquisição do enxoval na Colegial" do Rio de Janeiro, depois acondicionado em enormes baús, com novidades absolutas, como a pelerine. Lembro-me nitidamente (e já fazem quarenta anos!) do primeiro dia, em 1953, os dois - eu e meu irmão Roberto de maõs dadas com a minha- camisa branca, gravata (isto mesmo, gravata!) bordeaux, calça e blazer azul-marinho, boné da mesma cor, com o monograma do Ginásio completando o uniforme de gala. A barca da Cantareira, cruzando lentamente a Baía da Guanahara, impelida por uma grande roda, charme de antanho.

Naquele ano a viagem para Friburgo ainda era feita de trem, que saía da estação da Leopoldina ali em Niterói, com vagôes especiais para os alunos do G.N.F. Vagões de madeira, antigos, puxados por uma "Maria Fumaça" que subia a serra resfolegando na cremalheira, depois de Cachoeiras do Macacu, expelindo pelo chaminé jatos de fuligem pequenos pedaços de carvão ainda em brasa, que caíam apagados e impregnavam nossas então vastas cabeleiras. Estas imagens, e tantas outras, se aguçaram muito em abril deste ano, quando perdi o Roberto, que se foi fora de hora, moço ainda. Nós últimos dias de sua inesperada enfermidade, e mesmo logo depois de sua morte, lembrei-me muito dos tempos do colégio.Penso que foi a época de nossas vida em que estivemos mais próximo.

Internos longe de casa enfrentando um mundo completamente novo ,verdes para a vida tinhamos apenas o amparo e a solidariedade um do outro. Uma época dificil para nós dois, os pais se desquitando, a ruptura brusca de nossa realidade, o afastamento da família, muito medo e insegurança agressividade e passividade coexistindo no nosso comportamento. Íamos animados., todavia, pois os prospectos do Ginásio Nova Friburgo ofereciam uma visão fascinante para os meninos de doze e treze anos que éramos, principalmente com relação aos esportes, com instalações completas campos de futebol, ginásio, pista e piscina olímpicas. E outras vantagens, cinema e biblioteca, mas a maior delas bem escondida em nossos corações, a balsâmíca distância das querelas familiares.

Nós, os "novatos", como tantos outros, sofremos bastante no primeiro ano, adaptação penosa, muita amargura e algumas lágrimas salgadas debaixo das cobertas, as saídas apenas quinzenais, a disciplina rígida nos horários e nas atividades. Mas hoje, na pespectiva do tempo, com a serenidade da idade e do caminho bem percorrido, dou um imenso valor aquelas experiências onde começamos a aprender a de fato enfrentar a vida por nós mesmos, Sou grato, se não a todos, pelo menos a alguns professores, como o Vicente de português, cigarrinho sempre na piteira, que me ensinou e incentivou a escrever - períodos curtos, objetivos, nada de estilo gongórico" -, ferramenta indispensável na minha advocacia. Tenho ainda arquivadas as redações, com correções e notas. A ele devo também o gosto pela leitura, despertando quando nos lia, a classe em interessado silêncio. "A Abóboda", de Alexandre Herculano, ou "Pedro Barqueiro", de Afonso Arinos, o conto mais belo (Pelo menos na minha opinião) da literatura brasileira.

E até hoje, passado quase meio século (caramba), me lembro do Prof. Campos, explicando o Brasil e a possibilidade de sua interligação através das bacias fluviais projeto muito falado e nunca implementado. Graças ao Prof. Trotta tornei-me co-autor de um livro, quem diria, de Matemática!!! O Prof. Abelardo, de latim, que apesar de advogado não sei até hoje, não por culpa dele, e atribuo à criatividade de minhas traduções "livres" o fato de ter passado de ano e no vestibular de Direito, os casos da FEB na Itália contados pelo Ten. Guedes, amigo, "paga aí dez flexões'. Em contrapartida, a grossura do sargentão Olavo, não tivera sido ele ex-carcereiro em Fernando de Noionha, ou a displicência do Dr. Ratsbona receitando "Arcanol", para tudo e para, até quando o "Anão Zezinho" fraturou a clavícula, ou ainda a intolerância e arrogância do Daniel, professor de História, dono da verdade, que nunca me perdoou ter amassado uma prova e a arremessado na lata de lixo, desafiando-o a dar-me zero, isto na frente de toda a turma e que vingativo acabou me reprovando.

Tudo isso me ensinou um pouco a viver e a enfrentar as dificuldades do percurso. Por onde andarão todos eles, os bons e os "maus", por que sendas enveredaram vida afora? Vocês, a essa altura, já notaram que passei a misturar estações, comecei no primeiro dia e já estou lá pelos fins de 1955, mas é que de fato tudo está vindo à memória de uma só vez, atabalhoadamente, talvez o Vicente até fique decepcionado com o discípulo, mas que fazer se são tantas as lembranças, uma aflorando atrás da outra, em cascata. Por onde andará a irmandade do "Togecher", Suzuki, Teixeira Leite, Velloso, Marcio Aloysio? Eu pelo menos estou dando notícias, desde que resolvam mesmo publicar estas reminiscências. O Roberto, infelizmente não pode atender à convocação do Lulu e do Clóvis, mas expresso por ele a gratidão que sempre sentiu pelo Prof. Oliveira, de Trabalhos Manuais, secarrão da oficina no começo da ladeira logo à esquerda do campo de futebol, lembraram-se? - que quebrou lanças a seu favor quando quiseram expulsá-lo por ter nocauteado, sem querer, o Prof. Jamil que levou as sobras de uma briga no refeitório, ou quando simplesmente fugiu do colégio pela caehoeira, indo sozinho para o Rio de Janeiro, via Niterói, recebendo os ônibus com rojões, eu desesperado à procura dele.

As Olimpíadas, o Gol da Grená, o campo lá da cidade profissional, defesas espetaculares e frangos idem, a foto está naquele meu álbum, o Campos se arrebentando, também no Gol, o Ibsen brilhando no atletismo, junto com o Márcio, lider absoluto dos alunos. Voltando no tempo, e Olifas, primeira pelada, debaixo de chuva torrencial - ah, se mamãe me visse! -, depois banho turco, nunca antes experimentado. Excursões a Cabo Frio (Praia do Forte), água salgada, Arraial do Cabo, peixada, Monnerat, Cantagalo, Itaocara, banho no Paraíba, muita pinga rolando no trem, primeiro porre. Seleção Brasileira (de 1954), autógrafos, Friburgo, sinuca, cinema, "Sans Souci. As músicas da nossa "emissora", Because Of You, Secret Love, Smoking Get In Your Eyes, o primeiro número do "A Natureza", o Clube de Fotografia.... Dava para escrever um livro, acredito que cada um que passou por lá tenha material para escrevê-lo, mas vou ficando por aqui, à sombra permanente das "Duas Maminhas".

Ass. RONALD LEITE SCHULMAN
1953/1955

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