O CRIME PERFEITO

"O bem roubadinho vale tanto quanto o bem ganhadino"
(Provérbio Luzitano)

Quando tantos e tão graves roubos são desvendados em nosso País, é hora, finalmente, de elucidar um crime perfeito cometido no então Ginásio Nova Friburgo, 1950. Trata-se do furto de um engradado de Leite Moça, cometido por dois alunos fundadores. Raro e bem sucedido, tal crime contrasta, por ter sido cometido por meninos de 12 anos, com os dois autores dos crimes atualmente em evidência, cavalões velhos e bestas quadradas, contando com assessorias da melhor qualidade e, no entanto, incapazes de um "bem roubadinho".

Era inverno. Fazia um frio de criar vapor na boca, quando falávamos.

Éramos apenas umas poucas dezenas de alunos, com excelentes professores à nossa disposição. Meninos eu vi. Inclusive o crime perfeito.

Naquele tempo só havia uma coisa de rivalizar, em nossa cobiça, com uma lata de Leite Moça: o chantily com morango do Sans Souci ao lado da Igreja de Friburgo. Todos nós, católicos ou não, íamos à missa no fim de semana que passávamos no colégio. Com dois objetivos: para paquerar as moças da terra ( as Luma de Oliveira de então) e depois comer o santíssimo chantily, depois as moças, naquela época já alvoroçadas, mas recatadas. Beber uma lata de leite moça era um prazer bem mais cobiçado, então, que um beijo roubado no cinema. É difícil imaginar isto para um adulto, que não suporta beber nem uma colher cheia de leite moça. Mas, naquele tempo – ah, aquele tempo- era assim o ponto. Portanto, furtar uma lata de leite moça era, mal comparando, o que seria hoje caviar, ou queijo frances – ou no saldável espírito luso, um queijo da serra da Estrela. E o que dizer de um engradado (um caixote) inteiro de leite moça? Era o jardim das delícias. Pois dois alunos franzinos conseguiram esconder um engradado destes, assim que descarregado, no pátio em frente a porta da cozinha. Os empregados entraram um instante e quando foram conferir as mercadorias descarregadas do caminhão , cadê o caixote? Estava no meio do jardim, em frente, escondido entre as belas flores. E lá ficou aquele dia. No dia seguinte, foi parar, em lances de muito esforço, em moita de localização mais discreta: morro abaixo, ao lado da cascata. O crime perfeito começa pela necessidade de não deixar corpo de delito.

O caixote foi desmembrado e táboas lançadas cascata a baixo. E as latas. Como deixa-las ao relento, à mercê de curiosos? Foram em lotes, sob a pelerine ( uma capa de lã grossa do uniforme de então) levadas para o dormitório principal e único ( o outro estava sendo construído ). Onde gurdá-las a salvo dos abelhudos? A solução encontrada não vai agradar aos outros alunos fundadores, alguns muito invejosos, por saberem, agora, que a delícia esteve tão perto de suas mãos, cheias de dedos, e lábios, tão sequiosos, na época de leite condensado, para mamar na lata, com dois furos. Ficou uma lata em cada uma das caixas d’água, de ferro que guarneciam cada um dos vasos sanitários, em cada um dos quartos.

Método de guardar e retirar cada lata: 1 – Levantar a tampa do vaso sanitário; 2 – Colocar um pé na louça do vaso e alcançar com uma das mãos a tampa de ferro da caixa de descarga: 3 – Colocar (e depois retirar) a lata de dentro da água da caixa.

Assim foi cometido , ao longo de semanas, o crime perfeito, não nas barbas , mas diante dos rostos imberbes dos colegas.

Mas dirá o leitor, como pode logo o Braguinha, falar de crime perfeito, a propósito de um colégio destinado a cultivar a ética e os mais elevados padrões morais? Então fica a moral da estória: O crime perfeito não foi repetido pois não compensa: dá um excessivo trabalho. Ficou demonstrado ser mais fácil comprar o leite condensado com o dinheiro da mesada. Isto, dito por um cúmplice do crime: Eu.

ROBERTO BRAGA

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